"O espaço em que vivemos na infância era vasto, amplo e livre de proibições . A natureza dominava soberana e o exterior da casa e, no interior, suas paredes repercutiam os ecos e embates políticos do mundo todo: arte e literatura, politica e poesia eram o principal alimento do nosso cotidiano. Falávamos de tudo isso, sem nos preocupar com a realidade material da vida. Assim foi meu primeiro olhar sobre o mundo"
palavras de Lélia Abramo sobre sua infância
Lélia Abrmo nasceu em São Paulo, 8 de fevereiro de 1911. Filha dos imigrantes italianos, Afra Iole Scarmagnan, natural de Monselice (província de Pádua) e de Vincenzo Abramo, nascido em Torraca ( província de Salerno ), Lelia viveu na Itália entre os anos de 1938 E 1950, tendo sofrido as privações da Segunda Guerra Mundial.. Junto aos seus irmãos, o artista plástico Lívio Abramo, Beatriz Abramo, os jornalistas Athos Abramo, Fúlvio Abramo e Cláudio Abramo, faz parte de uma família que teve grande presença na história brasileira, tanto na militância política como na arte. Sua mãe Afra Iole era filha de Bortolo ''Bartolomeu'' Scarmagnan, militante anarco-sindicalista e organizador da greve geral de 1917 em São Paulo.
Na casa de Lélia, os adultos falavam sempre de duas coisas: arte e política, escutavam, ávidos e interessados, todos que tivessem presente, mesmo quando tudo ruía à volta: a grande mansão trocada por um casa menor, as perspectivas encurtadas, os sonhos interrompidos, os projetos esfumados; os ideais continuavam os mesmos.
Aos 15 anos de idade, já conhecia Ésquilo, Sófocles, Eurrípides, Aristófanes, Dostoievski, Castro Alves, José de Alencar... autores estrangeiros e nacionais. lia em italiano sobre política e os jornais anarquistas daquela época. Aos 21 anos, saiu de seu lar quase intelectual para trabalhar no escritório de uma fábrica de passamanarias, lá aprndeu rapidamente tudo o qe concernia à contabilidade, pagamento dos operários, enfim tudo quanto o gerente de uma fábrica deveria conhecer em matéria de contabilidade.
Mais ou menos nessa época conhece seu primeiro ato de igualdade com o próximo quando um engenheiro alemão, chefe de um dos departamentos da fábrica, despediu um operário, somente porque ele tinha no bolso do paletó um jornal, cujo cabeçalho era inquestinavelmente de esquerda, Lélia ficou revoltada, pensando - então umoperário não tinha o direito de ler o que quisesse? Lélia começou a tentar esclarecer e persuadir os operários de que tudo aquilo era injusto e cruel: deveria haver um meio mais humano de existência para os trabalhadores. As conversas de Lélia diária com os operários despertaram a atenção e a suspeita de um contramestre que, sem perda de tempo, denunciou Lélia aos donos da epresa, como perigosa e subversiva.
Lélia Abramo fala sobre seu envolvimento com a política: ''Sempre foi assim. Jamais ponderei sobre a conveniência ou não de agir desta ou daquela forma. Atirava-me, como ainda hoje o faço, de cabeça na ação e, quando um raio me golpeava, embora aturdida, partia para outra. A partir de então, sem nenhuma hesitação, deslizei inexoravelmente pela longa estrada do socialismo. Naturalmente, a minha tentativa de ''salvar'' os operários da injustiça social redundou na minha expulsão do emprego''. Aí Lélia tão jovem já mostrava sua liderença e dignidade. A essa altura, já estava associada ao Sindicato dos Comerciários, onde logo ela foi colaborar com o Departamento de Sindicância. Nos anos 30 Lélia e os engajados na luta antifascista ( trotskistas, socialistas, anarquistas, stalinistas e democratas ), enfretaram, com armas na mão ou sem elas, a organização fascista-integralista, comandada por Plínio Salgado.
Mais ou menos nessa época Lélia encontra seu primeiro amor, ela estav sentada na entrada do Sindicato dos Comerciários, quando repentinamente apareceu na porta, com os braços estendidos lateralmente, como que segurando os umbrais, um jovem alto, pele dourada, olhos escuros, estava com a camisa aberta ao peito, coisa rara naquela época em que os jovens jamais largavam a gravata ou o chapéu. Os olhares se cruzaram e foi amor à primeira vista. Daquele dia em diante eles se encontravam diariamente, ela de um partdi e ele do partdo do PCB. Para nao causar conflito entre os trotkistas e o PCB, eles se viam sempre discretamente. Para Lélia tudo naquele homem a atraía, sua coerência, sensibilidad, cultura e inteligência, e principalmente sua geerosidade, tudo que nossa querida Lélia tinha e merecia também.
Mas chegou o dia em queria casar com Lélia e enfrentar o partido. Lélia tentou convencê-lo, inutilmente, de que o PCB jamais daria permissão. O partido costumava ser intrasigente em relação a aproximação com trotskistas. O namoro deles pôs em evidência o antagonismo, naqueles tempos acirrado e mortal, que havia entre stalinistas e trotskistas.
Durante muito tempo ambos tentaram esconder de todos, mas a decisão do relacionamnteo de ambos, já era de conhecimento de todos, foi colocada em discussão por dirigentes do PCB. Se confirmasse o N. seria expulso. O casamento de ambos estava marcado pelo final daquela ano de 1934,. Lelia e N. iam morar no bairro tradicional de São Paulo - o Bom Retiro. Mas N. optou por acatra a decisão do PCB. Aliás, eu mesma não aceitaria que ele FIZESSE O SACRIFÍCIO DE DEIXAR A MILITÂNCIA NO PARTIDO. E ele jamais aceitaria que Lélia abandonasse a militância dela no partdo trotskista. Ambos tinha suas ideologias, a elas pertenciam..Decidida a separação por ambos, ele se despidiu-se ela rapidamene, e foi-se embora para sempre. Lélia jamais esqueceria esse dia dramático da sua vida. Depois disso Lélia atirou-se como nunca com fria determinação à militância e as atividades mais perigosas. Mas por volta daquela época a saúde de Lélia se agravou dde forma alarmante; as dores de cabeça violentas, nenum médico naquela época, não encotravam solução.
Junto com seus irmãos, o artista plástico Lívio Abramo, Beatriz Abramo, os jornalistas Athos Abramo, Fúlvio Abramo e Cláudio Abramo, faz parte de uma família que teve grande presença na história brasileira, tanto na militância política como na arte. Lélia participou dos primeiros momentos de fundação da Oposição de Esquerda no Brasil, sempre se assumindo como uma simpatizante do trotskismo. Ela também foi militante e fundadora do Partido dos Trabalhadores, tendo assinado a ata de fundação do partido. Foi uma personalidade presente em diversos momentos da vida política brasileira, como nas Diretas Já.
Seus sonhos de ser atriz foram adiados pela crise financeira da família, quando ela arrumou emprego num banco. “Meu pai não queria, mas não podia impedir”, recorda. Na época, já usava cabelos curtos e usava saias na altura do joelho. Com conhecimento de mercado financeiro e juros, fazia os cálculos das aplicações de 400 clientes por dia. De lá, transferiu-se para uma fábrica, onde era responsável pelos salários dos funcionários. “Vocês estão sendo explorados”, disse, certo dia, aos colegas do trabalho. Algumas horas depois, estava desempregada. “Fui delatada por uma pessoa que ouviu a conversa”, conta. Era um sinal das causas da esquerda que abraçou a vida inteira.
No início de 1941, ela se questionava sobre o que o futuro lhe reservaria. A preocupação tinha sua razão. Lélia Abramo descobriu aos 30 que tinha um problema sério de saúde, pois sentia fortes dores na cabeça e sofria com febres freqüentes. Consultou dezenas de médicos no Brasil, mas nenhum soube diagnosticar a doença. Cinco anos mais tarde, sua irmã Beatriz casou-se com um oficial do exército italiano, que foi chamado para voltar à terra natal. Lélia pegou carona e foi para a Itália cuidar da saúde. Foi atendida por um médico que descobriu as causas de seu problema: cistos na, atrás de alimentos. Testemunhou o racionamento imposto pelo governo em função dos conflitos. o ovário esquerdo. A cirurgia para a retirada do órgão afetado foi marcada, mas um outro cirurgião a operou. Ao acordar, ela descobriu que o médico havia retirado o ovário saudável e que nunca mais poderia ter filhos. “Foi um choque”, diz. “Abdiquei do casamento a partir daí. Eu queria uma porção de filhos”, lembra.
Mesmo depois do tratamento, Lélia não voltou ao Brasil. A Segunda Guerra Mundial estava em pleno fervor na Europa e ela teve que ficar. Sem dinheiro e com a saúde debilitada, perambulava pelas ruas de Roma, na Itália.
Mas nessa época uma situação que fez Lélia sorrir, foi quando encontrou por acaso um antigo admirados que, querendo prestar homenagem à nossa Lélia, oferecendo galantemente, como quem oferece um ramo de flores , dois pãezinhos!
Mas esse segundo amor de Lélia, trouxe outros problemas; o comportamento de meus colegas, e principalmente a solicitude e atenção dos médicos assistentes e residentes, que não poupavam esforços para tirar-me daquele estado de depressão, provocou mais ianda o ciúme de seu admirador que já nessa época já namoravam, fez com que R., a retirou do hospital sem autorização médica. Após dois meses, quando não conseguia superar tamanha calamidade, Lélia decidiu não aguentar mais aquelas contínuas cenas de ciúme imotivado. O relacimento de ambos sempre difícil e por essa razão. Várias foram as separações e os retornos naqueles seis anos. Brigas, discusões, imposições absurdas cansaram Lélia, deixou R. para não mais voltar, apesar dos apelos de R. , Lélia resolveu acabar o relacionamento.
Em 1950, com o fim da Grande Guerra, Lélia pôde enfim voltar ao Brasil, após 12 anos. Foi época da eleição de Getúlio Vargas à presidência da República. “Eu me sentia uma estranha dentro de meu próprio país”, recorda a atriz. Durante um tempo, trabalhou como jornalista da agência de notícias Ansa, sob o comando do jornalista Giannino Carta. Ao mesmo tempo, atuava em grupos de teatro amador voltados à colônia italiana. Em 1958, com 47 anos, foi convidada para participar da primeira montagem de "Eles não Usam Black-tie", uma peça de Gianfrancesco Guarnieri. Ganhou o papel de Romana, personagem que morava num morro do Rio de Janeiro. “Todos achavam que eu seria um fracasso por causa de meu forte sotaque italiano”, recorda a atriz. No dia da estréia, foi aplaudida de pé pelo público do Teatro de Arena, no centro da cidade. E, no mesmo ano, abocanhou o prêmio da Associação dos Críticos Teatrais de São Paulo e o Prêmio Saci, como melhor atriz coadjuvante, o Prêmio do Círculo Independente de Críticos Teatrais e o Governador do Estado de São Paulo e o Prêmio da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. “Foi aí que surgiu meu primeiro convite para a tevê”, diz Lélia.
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Assim, Lélia estréia na TV ao participar do Grande Teatro Tupí. O programa era todo inspirado em obras clássicas ou outras já consagradas pela crítica, e gozava de enorme audiência por sua enorme qualidade. Em meados de 1961, Cacilda Becker convida Lélia para participar de Raízes, peça de Arnold Wesker, dirigida por Antônio Abujamra. No ano de 1964, Lélia é convidada por Anselmo Duarte para participar do filme Vereda da Salvação, no papel principal ( Dolores). Mas Lélia continuava com sua posição política, protestos, vigilias, passeatas de artistas, estudantes, menbros da chamada (Igreja progressista), intelectuais, tornaram-se frequentes, e muitas detenções foram feitas . Cacilda Becker foi a grande defensora de todos sempre que ocorriam prisões e invasões no teatro. A cada prisão, Cacilda movimentava-se e conseguia arrancar todos das mãos do DEOPS. Lélia diz: "Nesse período, Cacilda mostrou ser, além de grande personalidade do palco, também uma criatura generosa e combativa. No meu caso, consegui livrar-me de um conhecido torturador em apenas 12 horas de detenção, e eu sei que quase todos os artistas detidos encrontavam nela a mesma atitude. Ela não se definia ideológicamente, mas se colocava decididamente contra o arbitrário. Até sua morte, em 1969, Cacilda apresentou seus espetáculos transmitindo sua mensagem estética e ética. Ela faleceu, após uma agonia de 33 dias, sendo carinhosamente acompanhada por seus admiradores, e principalmente atores e atrizes, que se revezavam dia e noite no saguão do Hospital São Luis".
Em 1975, quando Vladmir Herzog foi morto na prisão, os jornalistas e atores foram os primeiros a se manisfestar, apesar do medo que imperava. Naquela noite, era um sábado, todos os teatros comonicaram aos seus públicos a morte de Vlado. Na segunda-feira, dia do enterro, Lélia estava gravando na televisão, e disse a Carlos Zara, diretor da novela: "Vou ao enterro e levo cinco atores que queiram ir comigo; portanto, não vamos trabalhar hoje." Carlos Zara continuou gravando com os atores que permaneceram, e nós seis fomos para a cerimônia funebre". Entre 1964 e 1979 - sem contar o que fizera entre 1958 e 1964 - Lélia sobre a pressão de todas as comoções e angústias, nove peças de teatro, 19 novelas, 12 casos especiais para a TV e 8 filmes, não dá para entender como ela foi arranjar tempo e forças para tanta coisa, em meio às correrias, sustos, prisões e terrores, nos quais todos foram envolvidos durante os anos de ditadura.
Referindo-se a essa atividade, nos anos de1964 a 1979, porque foi nesse último ano - apesar de tantas atuações e tantos prêmios - que Lélia foi brutalmente demitida da TV Globo, embora fosse ilícito pelas leis trabalhistas demitir presidentes de sindicatos em sua função (porém, o AI-5 permitia todas as arbitrariedades), como era o caso de Lélia nessa época, mas como se percebe caro leitor, não foram só os militares que fizeram perseguições; também quem os apoiavas cometia esses atos.
CONTINUA
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